Feira de Santana em dois documentários do Cinema Novo
Feira de Santana aparece de formas diferentes, mas igualmente emblemáticas, em dois documentários do Cinema Novo que estão sendo exibidos no Memorial da Feira. Em um deles, a zona rural do município serve como cenário para um belo mas melancólico registro cinematográfico de uma importante manifestação da cultura popular em vias de extinção: o canto de trabalho na labuta cotidiana de cortadores de cana. Em outro, o cenário é a zona rural de Riachão do Jacuípe, e também mostra as agruras e os lampejos de felicidade de trabalhadores rurais, mas o diretor, embora nascido naquela cidade, tem seu nome mais vinculado a Feira de Santana, pois foi aqui que teve sua formação intelectual e deu os primeiros passos como um dos principais cineastas do Brasil.
No primeiro caso, trata-se de “Cantos de Trabalho”, uma trilogia realizada pelo cineasta Leon Hirszman entre 1974 e 1976, registrando as cantorias dos trabalhadores na zona rural do Nordeste, tendo em vista o desaparecimento dessa tradição diante da modernização do campo. São três curtas-metragens subintitulados Mutirão, Cacau e Cana-de-açúcar, sendo este último filmado em algum lugar da zona rural de Feira de Santana onde havia plantações de cana. A narração é do poeta Ferreira Gullar.
Sobre essa trilogia, escreveu o também cineasta e professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Ian Schuler, na Revista Beira, em dezembro de 2017:
“A produção dos filmes acontece mais de uma década após uma série de processos históricos que alteraram o caráter do movimento cinematográfico do qual Hirszman foi um dos precursores, o Cinema Novo. A progressão da ditadura militar em fins dos anos 1960, a continuidade das derrotas da esquerda a nível mundial (...) e, mais importante para o Cinema Novo, a perda da inocência em relação ao porvir revolucionário do povo, levaram o grupo de cineastas a rever as suas premissas e a reposicionar o seu arsenal. (...) Assim, Cantos de Trabalho é filmado em uma época de desencanto, quando já se distanciava a esperança de que a classe trabalhadora fosse, enfim, arrebentar com as próprias correntes.”
O segundo documentário é “Sob o ditame de rude almajesto – Sinais de Chuva”, produzido em 1976, na zona rural de Riachão do Jacuípe, por Olney São Paulo. O filme mostra a sabedoria do homem do campo em identificar e interpretar os sinais da natureza que podem anunciar a chegadas das chuvas no sertão. Sobre essa obra, escreveu o também cineasta e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia, Francisco Gabriel Rego, no Blog Feirenses, em 15 de agosto de 2016:
“Adaptação de uma crônica de Eurico Alves Boaventura, também intitulada Sob o Ditame de Rude Almajesto, o curta assimila características próprias do texto do cronista feirense. A polifonia das vozes, que no texto constitui uma miscelânea de opiniões sobre o saber sertanejo, no filme ganha uma conotação bem especial: o de apresentar os sertanejos como portadores de um conhecimento em diálogo com o espaço. (...) É assim que, no documentário, o cineasta constrói um aspecto quase que mitológico do sujeito sertanejo, imerso na paisagem, sendo raras as vezes em que a natureza é apresentada sozinha. O homem é aquele que dá sentido ao espaço, pois sem o homem nada daquilo faz sentido.” Os dois documentários podem ser vistos na seção Relíquias da Feira. O Memorial da Feira é um portal mantido na internet pela Prefeitura de Feira de Santana, através da Secretaria de Comunicação Social. O endereço é www.memorialdafeira.ba.gov.br.